tramas

AMAR A TRAMA é pedaço de verso emprestado de uma canção do compositor uruguaio, Jorge Drexler. O verso completo na língua vizinha diz: amar la trama más que el desenlace e me remete a uma ênfase no percurso, no ato de tramar. Tramar é o gesto e é também a fabulação, a invenção do que não existe. Por outro lado, se em espanhol, como em português, o desenlace é o ponto de chegada, é onde o gesto termina e alcança alguma estabilidade, o que o verso do Drexler me instrui é: ame menos esse produto e mais aquilo que faz para chegar a ele. O curioso é que desenlace, embora acene para a conclusão, tem esse prefixo (des) que enseja o começo no fim. Algo na própria palavra que arremata aponta para a desamarração do nó que encerra o trajeto. A costura fica sendo o caminho da repetição, o retorno incansável ao que ata e desata.

Amar a trama porque no desenlace não se pode fiar. Amar a trama porque, ao cabo, é no ato de fazer, na intenção e no remetimento que algo acontece. Algo que é, ao mesmo tempo, irrepetível e iterável. O que fica na mão des’tecido é uma pista programática, fio marcado que pode vir a mesclar com outros fios, por outras mãos. Feito de palavras mascadas, o poema (sempre re-citado) é esse tricô esburacado. E é por isso que a poesia demanda o amor ao esforço de escrever o que não cessa de não ser escrito. Ao menos, não de uma vez por todas.

Venho tentando acompanhar um pouco da poesia que sai do forno e do que já está aí há tempos. Tentando ler quem está escrevendo neste mundo estranhão. Chego o ouvido bem perto dos livros e me encanto com as diferenças. Uma conexão acontece quando a gente começa a se ler e a se ouvir. Penso em consentimento, naquilo que ele tem abertura, de porosidade, de permissão à possibilidade de sentir junto. Con-sentir é um estado de vulnerabilidade de onde uma fresta, ou uma festa poronde o fora tem acesso ao dentro e o de dentro pode sair. É um pouco isso, e não há uníssono. Consentimento não é condescendência. O consentimento lida com o que é da ordem do inesperado e pode ser, sim, muito bom. Tem me ocorrido que essa potência para assentir e lidar com a contingência das escritas é uma enormidade e ganha contornos aqui-ali. Ao menos, é com essa expectativa que caminho parecendo uma mescla de fios de vozes, revirada pelos versos de poetas que leio e dizendo a quem passa por mim que a trama é furada. A trama não está pronta, nunca fica. E que por isso não resta muito mais que amar o gesto, no gesto de se sustentar e de estender.

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